por Patricia Valente

Crescer é inexorável para todos os seres vivos, da semente do girassol, aos filhotes de qualquer espécie. Até os humanos. Crescer é, por vezes, um processo doloroso. E lento. É preciso abrir mão da antiga forma, qualquer que seja. Para que o novo seja edificado, a construção anterior precisar ser reavaliada, reconstruída, reformada ou, até mesmo, abandonada. Não se pode construir sobre bases frágeis, obsoletas ou inadequadas.

Crescer pode até implicar em pagar tributos fisicamente. Durante a infância é freqüente as crianças sentirem dores nas pernas. São as dores do crescimento ósseo. Os ossos precisam crescer e se fortalecer para sustentar o adulto vindouro. Em determinada época da infância não se pode mais ficar só nas brincadeiras indefinidamente. Caem os dentes de leite, a presença na escola é obrigatória, é preciso fazer lição de casa e usar uniforme. Já não se pode faltar à aula por causa do frio ou do sono. A professora passa lição de casa, diz o que estudar, o que deve ser feito, o que vai cair na prova. Temos por volta de sete anos de idade nessa fase.

Avançando no tempo, as obrigações aumentam. Os hormônios se fazem ativamente presentes. O adolescente, angustiado, se vê diante da escolha do curso preparatório para o vestibular. O que fazer? Que carreira seguir? Os pais sugerem algumas, os professores, outras. Ele mesmo, muitas vezes, não tem certeza do que quer. A sensação é do peso do mundo caindo sobre ele. Aos olhos do adolescente os adultos só sabem cobrar e dar ordens. É o auge da adolescência, quinze anos de idade.

Passada essa fase, lá pelos vinte e dois anos, é época de formatura, graduação. É preciso arrumar um estágio, se é que já não foi exigido antes do estudante como pré-requisito para a conclusão do curso. Vai daqui, vai dali; enfim, um estágio! O chefe dá as cartas, dá as ordens e faz a avaliação do estágio. Resta obedecer. Há também os que não tiveram a oportunidade de cursar uma faculdade por falta de recursos materiais. Esses já estão há muito no mercado de trabalho, dando duro para sobreviver e, muitas vezes, sustentar a família.

Quando se chega por volta dos vinte e nove anos, completa-se um ciclo. Astrologicamente é o primeiro ciclo completo de Saturno. Nesta fase é comum a ânsia por definições. Quem é estagiário quer efetivação, os solteiros pensam em estruturar a vida afetiva, os casados pensam no primeiro filho ou se terão o segundo. É hora de investir no imóvel próprio. É preciso poupar, economizar, pensar no futuro. Quantas responsabilidades! Que frio na barriga! A sensação é de que se tem diante de si um abismo intransponível e que o cálice sagrado está lá, do outro lado do abismo, reluzente, valioso, inalcançável. Sentimo-nos como Indiana Jones no filme “O Cálice Sagrado”, distante no tempo, mas absolutamente atual simbolicamente.

Este ciclo astrológico do qual estou falando é conhecido como “retorno de Saturno”. Acontece para todos pela primeira vez por volta dos vinte e nove anos. Neste momento, diante do abismo, com a espinha gelada, vislumbramos uma frágil, porém real, ponte para o cálice. Para atravessar a ponte que nos levará ao Graal, ao futuro, precisamos escolher. Olhar, no presente, para o passado, para nossa história pessoal e escolher o que dela levaremos conosco e deixar o que não nos serve mais. Não se pode levar tudo, nem muito peso. A ponte não agüenta. Só passa um. Até agora nos disseram quem éramos. Sempre um adulto para indicar os parâmetros, falar o que fazer, para onde ir, como agir. Restritivo, porém cômodo.

Aos vinte e nove anos é preciso deixar o passado para trás e com ele antigas definições do que achávamos que éramos, porque assim nos foi dito. Agora é hora de se escolher, começar a construção do edifício do si-mesmo, sair do chumbo para chegar ao ouro. Do passado ficam as fundações do novo indivíduo. Indivíduo é o não-dividido. Construir o si-mesmo dá trabalho, demora, cansa, traz medo e solidão. É a atuação de Saturno em sua plena potência.

A maravilha que existe no retorno de Saturno, especialmente o primeiro, aos 29 anos, é que, para aqueles que escolhem atravessar a ponte, deixando para trás valores e conceitos que já não lhe são úteis, há o cálice sagrado do outro lado. E o que contém esse tão almejado Graal? Dentro dele está a essência de quem somos. Estão a autorrealização, a autoexpressão, a conquista da própria identidade. Dentro dele está o melhor lugar para se estar: dentro de si mesmo. Sendo o que se é, como disse Nietzsche, filósofo alemão do século XIX. Diante do abismo e do distante cálice, ao invés de ver para crer, é preciso crer para ver. Crer em si mesmo e nas próprias potencialidades para que a ponte se materialize diante dos seus olhos.

Crescer, como dito no início, dói até os ossos. Mas são os ossos que nos mantêm em pé. Saturno rege os ossos, os dentes, os cabelos, os joelhos, o cálcio do organismo e a pele, maior órgão do corpo humano e o limite do corpo. Saturno era, até o séc. XVIII, o planeta limite do sistema solar. Atualmente ele é o último planeta visível a olho nu do sistema, para os olhos treinados. Depois de tudo, só o que resta é Saturno. É isso que vemos nos documentários arqueológicos.

Astrologicamente, Saturno fala de obrigações, responsabilidades, conquistas materiais. É o alto da montanha, o topo, o ápice de onde se tem a mais incrível vista da paisagem. Para chegar lá, ao topo, é preciso dobrar os joelhos na subida.

Depois de Saturno vem Urano, o espaço, a porta de entrada da galáxia, a liberdade. Ir de Saturno para Urano, parodiando Led Zeppelin, é “Stairway to Heaven” (“Escada para o Céu”). Só é livre (Urano) quem se responsabiliza (Saturno). Ajoelhando-nos, fazemos contato com o divino em nós e tornamo-nos livres.