por Patricia Valente

Quantas vezes nos deparamos com armários lotados nos quais não cabem mais nem uma agulha? Ou estantes atulhadas de livros? E os arquivos de computador repletos de pastas que já nem sabemos mais o que têm dentro? Ai de nós se precisarmos de alguma informação. Não sabemos nem por onde começar a procurar. Desanimador. Relutamos em nos livrar de qualquer coisa. E se jogarmos fora algo fundamental, imprescindível?! Melhor guardar. Guardar tudo. Quem guarda tem. Tem tudo. Tem muito de tudo. Só não tem a mais remota idéia do que é importante. E nem espaço para o novo.

Apegamo-nos a tudo e guardamos tudo. Roupas que já não servem, carregadores de celulares que já não temos, e-mails antigos sem respostas, lembranças dolorosas, mágoas antigas, papel de bombom. Além de armazenarmos compulsivamente, despendemos muita energia para manter tudo isso. Acúmulos consomem energia física, psíquica e emocional.

Um belo dia, sem mais essa nem aquela, o computador dá pau! Pifa! A primeira reação é de pânico! Pânico completo! Meu Deus, como viver sem o banco de dados? E os incontáveis arquivos de imagens armazenadas para um uso futuro? O que fazer? Chamar o técnico, claro! Só ele poderá nos salvar da danação completa e ressuscitar o velho equipamento com suas preciosas informações. Depois da análise técnica, fria, pragmática, ele nos dá o diagnóstico: não tem jeito, perdeu tudo! O disco rígido não agüentou. Queimou. Humildemente nos rendemos aos fatos. Temos que comprar outro equipamento e começar tudo de novo. Do zero. Também, quem mandou não fazer a faxina antes? Sabíamos do acúmulo, do excesso, do apego. Só não tínhamos coragem de selecionar e eliminar o supérfluo, o obsoleto. Faltou atitude ecológica.

Para brotar vida nova são necessários luz e oxigênio. A semente precisa morrer para a planta nascer e florescer. A flor morre para dar lugar ao fruto. O fruto morre para dar lugar ao novo ciclo. Start from scratch, como se diz em inglês, começar do zero. “Rebootar” o sistema.

Plutão é o planeta responsável pela seleção, reciclagem, morte e renascimento na astrologia. É ele quem rege as várias mortes em vida que precisamos fazer.

Na mitologia grega, Plutão reina no mundo inferior. Seu nome original é Hades, o invisível. O nome Plutão significa rico. Rico em almas. Cabe a ele receber as almas, verificar se, em vida, cumpriram sua missão e prepará-las para o retorno. Início de um novo ciclo.

Na viagem ao Hades, o mundo inferior, a alma passará por uma transformação. Irá se despir dos excessos, do apego, do supérfluo, recuperando sua essência, sua verdade original. Assim, a seco. Sem máscaras. Sem espelhos.

Uma das primeiras travessias dessa alma é pelo rio infernal Aqueronte, rio do infortúnio. Chegando à margem para a travessia de barco, a alma se deparará com o barqueiro Caronte. A alma precisa pagar um pedágio para o condutor do barco para poder atravessar. É o óbolo. Além de pagar, a própria alma é quem vai remar o barco. No meio desse rio tem uma ilha, a ilha dos mortos. A dona desta ilha é a Medusa, aquela que petrifica quem a olhar de frente. O detalhe é que a alma tem que olhar para ela, mas de maneira indireta, para poder seguir viagem. A alma que não conseguir fazer isso permanecerá lá, na ilha dos mortos, petrificada por toda a eternidade. Não conseguirá concluir a travessia e muito menos retomar sua jornada de retorno à existência. Já pensou? Petrificado por toda eternidade? Petrificado e consciente, um verdadeiro morto-vivo, uma assombração. Eu, hein?

Seja um disco rígido, seja uma planta, seja um alma ou uma pessoa, a mensagem de Plutão é clara, inequívoca, cirúrgica. Mude! Desapegue-se! Jogue fora o lixo, o excesso. Limpe. Ventile. Areje. Ilumine. Sempre, tudo e você mesmo. Do contrário, é ele, Plutão, quem escolherá o que deverá ser reciclado. E não fará perguntas se você quer ou não, se gosta ou não. Chega, pega e leva. Fim de papo. Assim como quando é chegada a hora do parto, o bebê não vai perguntar para a mãe ou para o médico se já pode nascer. Nasce e pronto. Entra na existência. Sem roupas, sem dentes, sem cabelos, sem defesas e sem malícia. Mas pleno em potencialidades. Rico em vida.

Plutão leva, mas sempre avisa, com muita antecedência, a que virá e quando virá. Além de avisar, ele nos dá a chance de escolher. E mesmo assim, depois de avisado e visitado por Plutão, você não estará acabado. Plutão leva o peso morto, as tralhas e bugigangas que insistimos em carregar desnecessariamente e das quais não nos desapegamos de jeito nenhum. Ele arranca de nós o que já não tem vida há muito tempo, mas sempre deixa novas sementes e o terreno fertilizado. Sempre nos oferece a chance de fazermos o novo. Sempre deixa o começo de algo. Algo mais afinado e alinhado com nossa própria essência. Plutão não trabalha com o mercado de derivativos existenciais.

Um vinho, para ser saboroso, deve ser produzido em terrenos difíceis. Quanto mais agreste, seco e rústico, mais trabalhoso será para a raiz da videira atingir a camada do solo onde há água. É justamente essa dificuldade que a raiz enfrenta que torna o vinho mais saboroso. Para atravessar dez metros em profundidade a raiz da videira pode chegar a três vezes seu tamanho, quase trinta metros, por causa do terreno pedregoso. Um dos vinhos mais saborosos e únicos, o Sauternes, é produzido a partir do ataque de um minúsculo fungo às uvas, o Botrytis cinerea. A uva praticamente apodrece para resultar nesse magnífico vinho!

Quando Plutão ingressa num signo, em média a cada quinze anos, ele pede transformações profundas naquilo que o signo representa. Hoje, final de 2008, Plutão está prestes a ingressar definitivamente no signo de Capricórnio. E lá ficará por uns quinze anos. A próxima vez em que isso ocorrerá será em, aproximadamente, 248 anos, pelo menos.

Plutão passando pelo signo de Capricórnio propõe desapego do materialismo, do status, do conservadorismo, do consumismo, do que está cristalizado e calcificado. À medida em que ele transita por este signo, levando embora a aparente segurança material, deixa expostas as raízes do signo oposto, Câncer. Câncer é o signo da origem, de onde você e eu viemos, a base, a matriz.

A opção é nossa. Agirmos ecologicamente e escolher como nos transformaremos ou ficarmos apegados às velharias e cacarecos até a próxima visita de Plutão. Termos a coragem de sermos nós mesmos por opção ou esperarmos que Plutão o faça por nós.